No trilho da Aranha

A Teia da Aranha, por R.B. Morgan Photography 

"Se abrirmos os olhos e levantarmos a cabeça enquanto vagueamos pelas ruas perceberemos que não somos os únicos seres enclausurados nos nossos pensamentos. Perceberemos que o isolamento a que cada um de nós - peões perdidos na charada de algo muito mais vasto – se entregou, está muito próximo daquilo que sempre tememos. A solidão, o labirinto de medos e anseios que passamos os dias a tentar esconjurar, o inferno de uma cabeça repleta de coisas para fazer, de contas para pagar, de justificações a dar, de soluções a rapidamente encontrar. Corremos desvairados para os braços do destino de que fugimos a sete pés. Mas o diabo está lá, na cruz, à nossa espera. Como a teia a que a aranha inevitavelmente se entrega."

António Almeida, "Pobres aracnídeos", in Bolas e Letras


O destino como fatalidade, reporta-me à ideia de sermos insectos presos na teia, ao invés dos aracnídeos que a constroem.
E de facto, enquanto andamos demasiado afundados nos "labirintos de medos", incapazes até de levantar os olhos, não somos mais que pobres insectos enredados numa teia obscura, peganhenta e fatal. Enquanto permanecermos entregues a este estado vegetativo, caminhando absortos nos nossos medos, na nossa mente, no nosso mundinho, ser-nos-à impossível percepcionar sequer que somos "peões perdidos na charada de algo muito mais vasto". A grande maravilha, é que essa percepção pode chegar num segundo, "se abrirmos os olhos e levantarmos a cabeça". 

A partir do momento em que temos a coragem de descolar do estado de entorpecimento colectivo, entramos no mundo das opções conscientes. A observação dos outros e de mim mesma, e a contemplação da realidade a que ganhamos acesso ao levantar a cabeça, trazem consigo a questão: É esta a minha escolha?
Quando vislumbramos, por segundos que seja, que somos na realidade aracnídeos aprisionados na mentalidade de insectos, descobrimos a possibilidade de expandir as patas e caminhar com uma nova visão e amplitude. 
Passamos então a ter duas hipóteses: recear a descoberta, voltar a encolher as patas, resignarmo-nos a viver como insecto no meio de insectos, e prosseguir cabisbaixos e de olhos fechados, seguindo as passadas dos outros ou invejando a teia alheia, e atribuindo tudo o que somos ao fatal destino; ou não mais baixar a cabeça, não mais fechar os olhos, não mais caminhar rente ao chão, desvincularmo-nos da crença de Fatalidade, e aceitarmo-nos como aracnídeos, celebrá-lo, construindo a nossa teia, à nossa medida, e na direcção que entendermos.

A teia só assusta quem a receia, quem a vê como prisão. A teia assusta os que ainda não perceberam que são aracnídeos, e os que já tendo percebido, se agarram à roupagem de insecto, por medo da sensação de vertigem que o novo andar lhes provoca.
Aos olhos do seu criador, ela é uma obra de arte única, inigualável, delicada, e de uma beleza incomparável. 

Levanta a cabeça! À nossa espera, só estamos nós mesmos. Até quando vais ficar à tua espera, lindo insecto?...  

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Uma aranha feliz


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