Sobre Mestres e Monstros

Um texto para Reikianos... e não só. 




Quero assegurar-te que este texto foi escrito com amor e, como sempre, apenas com a intenção de mostrar outra perspectiva. O que dele retirares (ou não) será, também como sempre, uma escolha tua.
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Nos últimos dias tenho assistido no facebook a um desfile de Mestres de Reiki revoltados com as "vigarices" que andam pelo mundo do Reiki.
"Mestres revoltados" - não te parece uma contradição em termos? Ponderemos: um Mestre não pode revoltar-se? Claro que sim, um Mestre é humano, logo vulnerável a todas as emoções. Mas pergunto eu: E um "verdadeiro" Mestre, é aquele que alimenta a revolta, ou aquele que escolhe saná-la?

Eu entendo que quem leva o seu trabalho muito a sério sinta a necessidade de alertar para o facto de existirem profissionais com posturas diferentes da sua. Ok, clarifica a tua posição ou, se te pedirem informações, dá a tua opinião sincera. Entrar em guerras, atacar fortuitamente o que para ti é errado, não será desvirtuar a essência do que pensas estar a defender?
"Só por hoje não me zango nem critico. Só por hoje sou bondoso e gentil com todos os seres vivos." - Mikao Usui (Príncípios do Reiki).

Vamos por pontos.


REIKI - MÉTODOS DE ENSINO

Conheço, falando dos extremos, quem faça iniciações de um dia sem mais acompanhamento e com intervalos entre elas pouco superiores aos 21 dias, e quem demore mais de 3 anos entre fazer a iniciação de 1º nível e a de Mestre, com partilhas semanais como parte integrante e obrigatória. Já existe também quem faça iniciações à distância e cursos on-line.
Conheço quem faça iniciações individuais, quem inicie grupos de meia dúzia, quem inicie cem ou duzentas pessoas de uma assentada.
Conheço quem não introduza nenhum símbolo no 1º nível, quem introduza o Cho Ku Rei, e quem introduza logo os símbolos todos (apesar de só ensinar a trabalhar com o 1º).
Conheço quem disponibilize manuais cheios de informação, e quem forneça o enquadramento histórico, os conceitos básicos e uma bibliografia onde os interessados poderão aprender mais.
Conheço quem considere que está a "colocar um dom no iniciado", e quem acredite que a iniciação é essencialmente uma tomada de consciência (o Mestre não está a dar nada, apenas facilita a revelação do que já existe em cada um e ensina a aceder a determinada informação/capacidade).
E posso dar, a quem me solicitar, a minha opinião sobre cada uma destas visões. Não creio que seja relevante aqui. A questão é: quem sou eu para dizer quem está certo ou errado?
Num Universo em que tudo é possível, do qual eu conheço (ou julgo conhecer) apenas uma ínfima parte, não será arrogância eu ter a certeza que estou certa? Como posso eu afirmar, com toda a certeza, que A é melhor que B para toda a gente, ou que C não funciona para ninguém? Eu posso dizer: A não funciona para mim, não me identifico com B, para mim C não faz sentido, ou não sou capaz de fazer D.
Posso dizer X, Y e Z não correspondem à metodologia de Mikao Usui, são uma variação dos seus ensinamentos, é uma corrente diferente, ou desconheço essa forma de fazer. Isso é legítimo.
Dizer simplesmente que é errado parece-me um julgamento prepotente ou ignorante (correndo o risco de estar eu mesma a fazê-lo também neste momento). Humildade, não nos esqueçamos da humildade... Só por hoje...


"ATAQUEMOS O GRATUITO, O BARATO E O CARO!"

Tira o dedo do gatilho por um minuto...
Se um terapeuta oferece sessões gratuitas ou a low cost, é porque não presta um bom serviço: é incompetente ou não tem experiência; se cobra um valor elevado é seguramente um vigarista e oportunista. Cuidado com as generalizações... Pode ser assim e pode não ser.
No primeiro caso: Tal como há fantásticos advogados, que cobram os seus honorários e fazem simultaneamente trabalho pro-bono, também há excelentes terapeutas que se disponibilizam para tratar gratuitamente ou por um valor simbólico quem não pode pagar os tratamentos.
No segundo: O terapeuta pode entender que o preço praticado é o justo, pelo investimento que fez na sua formação, por exemplo.
Há quem faça, como em qualquer outro ramo, promoções, pacotes ou ofertas para cativar mais clientes. Isso implica que é trafulha? A meu ver, implica unicamente que é inteligente, e que toma as medidas necessárias para sobreviver numa economia desfeita e num mercado onde a oferta cresce a um ritmo superior à procura.
Podes ficar "bem ou mal servido", quer sejas atendido gratuitamente, quer pagues o valor "de mercado", quer pagues uma exorbitância - que isto fique claro. O valor (ou sua ausência) não é garantia de nada: nem de qualidade, nem de falta dela; é apenas a opção legítima de cada terapeuta.


"DEFENDAMOS AS POBRES VÍTIMAS DOS VÍGAROS!"

Quase que só me apetecia escrever uma palavra: RESPONSABILIZAÇÃO. Mas vamos lá...
Se eu precisar de consultar um terapeuta, ou se eu quiser tirar um curso, não será minha a responsabilidade de procurar pelos meios que tiver disponíveis aquele que melhor me servirá? Como em todas as áreas, existem bons e maus profissionais. Compete-me a mim, dentro daquilo que me for possível, com os recursos de que disponho, escolher o terapeuta que me transmite confiança ou o curso que me apresenta os conteúdos e metodologia que mais me interessa.
Se eu não fizer o meu trabalho e agarrar a primeira opção que me aparece, e ela se revelar uma má escolha, de quem é a responsabilidade senão minha? Vou culpar o terapeuta, porque é incompetente, ou o formador, porque até tem conhecimento mas é um péssimo pedagogo? A escolha (ou demissão dela - o que é por si só também uma escolha) foi minha...
É mais que tempo de cada um se responsabilizar pela sua vida (e apenas pela sua vida!), pelas suas escolhas e pelas consequências que elas lhe trouxerem. O mesmo é dizer que chega de nos vitimizarmos ou colocar os outros no papel de vítimas que temos de defender.
O meu papel na vida do outro, quanto muito, e se solicitado, será o de consciencializar para a importância da responsabilização das suas escolhas. E, se solicitado, dar o meu parecer, que nunca será mais do que a minha (e apenas a minha) percepção sobre a pessoa, instituição, curso, ou o que for.
Clarificando: Quem quer boas influencias na sua vida que faça por tê-las. Não és tu que tens de o defender das más. Afinal... quem queres tu defender? Quem se sente realmente atacado, além de ti?


"ABAIXO OS FALSOS MESTRES!"

"Semelhante a uma flor, que parece linda mas não tem nenhum perfume, assim são as palavras infrutíferas do homem que as fala mas não as coloca em prática." - Dhammapada

Palavras como Mestre e Guru estão hoje tão banalizadas que perderam a sua verdadeira essência.
Eu fui iniciada no 3º nível de Reiki. Não me considero Mestre. Nem de Reiki, nem de coisa alguma. Tenho algum saber e alguma sabedoria que me disponho a partilhar com quem me procure, e tenho uma infinidade de coisas a aprender. Talvez um dia venha a ser formadora. Farei o meu melhor por ser sempre inspiradora. Ser Mestre é uma honra e uma responsabilidade que eu respeitosamente declino.
Se tu te julgas realmente nesse caminho, recorda-te apenas que o Mestre inspira pela palavra e pela acção; pelo conhecimento e pela sabedoria. Mais do que ensinar, o Mestre quer aprender, e sabe que a melhor forma de aprender sobre os outros, é aprendendo sobre si mesmo. Repara que quando esticas o dedo para fora e acusas "Falso Mestre!", três dedos da tua mão apontam para ti... Porque insistimos em ver o mal dos/nos outros, quando claramente ainda há tanto a trabalhar em nós mesmos?
"A alma não tem segredos que o comportamento não revele." Lao-Tsé

A Luz não existe sem a Sombra. Mais, "Luz" e "Sombra" são conceitos humanos, logo dependem da percepção de cada um. Até os "maus" Mestres têm razão de existir. Sem os maus, como reconhecerias os bons?
Deixa a "Sombra" existir. Não te compete eliminar a sombra do Universo... Experimenta em vez disso perceber apenas o que tu percepcionas como Luz e como Sombra, e de qual delas te queres aproximar mais. E deixa que cada um escolha igualmente onde se quer posicionar.
"A tua acção é a tua punição e a tua recompensa. Tu és o Mestre do teu destino." - Osho
Sê o teu próprio Mestre e permite que cada um seja o seu. Cada um tem o direito de escolher o seu destino e o seu caminho, cada um criará as suas próprias punições e recompensas.
"Tolerância não significa aceitar o que se tolera." - Mahatma Gandhi - Se não te serve, não incluas na tua vida. Mas respeita que faça sentido na vida do outro.

Consciencializa-te da incongruência que estás a viver, quando por um lado te intitulas Mestre de Reiki e defendes fervorosamente a ética, e por outro dedicas tanto do teu tempo a julgar e criticar, a alimentar a raiva e o rancor, acreditando arrogantemente que a única maneira é a tua maneira. Entende que a tua verdade não é absoluta, ela é apenas a tua verdade. Vive-a, pois. Quanto mais te focas nas verdades dos outros, mais te afastas da tua. Questiona-te: Não ganharei muito mais (paz, harmonia, felicidade) a exultar a minha verdade do que a atacar as verdades alheias? Não ganho mais a construir a minha realidade do que a tentar destruir as realidades dos outros? Que energia e emoções estou eu a viver e a partilhar num caso e noutro? Muda o foco... Deixa lá os outros e as acções dos outros, e toma atenção às tuas...
"Não há inimigos fora de ti próprio." - Tulko Lobsang


MESTRES

"Ao envelhecer deixei de escutar o que as pessoas dizem. Agora só presto atenção ao que elas fazem." - Andrew Carnagie

Ao longo da nossa vida, se estivermos atentos, encontramos alguns Mestres. É possível que não tenham certificado algum, que não façam a menor ideia do que seja o Reiki, que nunca tenham pensado em energias ou espiritualidade. É possível que sejam pessoas totalmente cépticas e descrentes. É possível que sejam iletradas, humildes. É possível que assumam a forma de pedintes, crianças, ou pessoas pouco empáticas ou que nos provocam até alguma resistência. Fica atento: observa os outros com humildade e curiosidade, disposto a aprender. A Mestria revela-se por vezes onde menos a esperamos.

Os princípios de Reiki, os ensinamentos espirituais de Jesus, Budha, Osho, Gandhi, Madre Teresa, Dalai Lama, Lao-Tse, Veda Vyasa, Rumi, etc., etc., etc., não valem rigorosamente nada se não passarem de frases poéticas com que te envaideces, convencido da tua sabedoria.
O Mestre não nasce de frases bonitas; são as frases que nascem das vivências bonitas do Mestre.
É fácil ser "espiritual" em meditação ou retiro. O desafio, e o que faz dos Mestres Mestres, é sê-lo aqui, neste plano, neste corpo humano, com esta mente contraditória, entre relações conflituosas e situações frustrantes e assustadoras. No dia a dia. A grandiosidade não está em criar ou repetir frases poéticas, mas em viver conscientemente cada dia, e experienciar momentos que, de tamanha beleza, lucidez, humildade, dor, aprendizagem, amor e conexão, se transformam depois em poesia.
Quando dizes Namasté, tens de facto a convicção que habita um Deus em cada um de nós, ou pensas que isso só se aplica àqueles que passam no crivo do teu julgamento?
Quando unes as tuas mãos e baixas a tua cabeça, fá-lo de facto em reverência, humildade e gratidão pela perfeição do outro, ou é apenas um gesto impensado?
"A coisa mais difícil do mundo é dizer pensando o que todos dizem sem pensar." - Émile-Auguste Chartier
O que te diz o teu espelho, na sua forma mais pura e honesta? És tu um Mestre?

Por vezes, o Mestre não sabe que é Mestre.
O Mestre não quer ser Mestre de ninguém, além de si mesmo.
O Mestre expõe, não impõe.
O Mestre aceita tudo o que É.
O Mestre agradece todas as oportunidades, e transforma-as em aprendizagem. Todas.
O Mestre sabe que espelha e é espelhado.
O Mestre conhece o seu Mestre e o seu Monstro, e reconhece-os no outro. E respeita essa dualidade. Incluindo a sua.







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