Aceitando as marés

Nuno Martins Fotografia - All Rights Reserved

Todos os dias o mar beija a rocha, e nesse toque suave ela vai-se moldando, lentamente, rendida às suas gentis carícias. 
Aos olhos que a vêem todos os dias, as ínfimas mudanças são imperceptíveis. Será talvez com surpresa que, um dia, esses olhos se apercebem que a paisagem mudou.
Mas o mar é feito de marés, o tempo é feito de estações e, um dia, irremediavelmente o inverno chega, as águas agitam-se e batem furiosamente na rocha.
Vistos de fora aqueles embates parecem violentos - o mar tomado de toda a sua força é imparável, não há barreiras que o Homem construa que o possam travar ou conter. Se a rocha falasse, talvez perguntasse ao mar porque a agredia daquela forma, o que tinha ela feito para merecer semelhante castigo. Talvez lhe gritasse que ele é injusto e, não tendo como esconder-se ou fugir à inevitabilidade da tareia, talvez se sentisse uma vítima das suas injustiças.
No entanto, quando o mar acalma - e o mar sempre acalma - a rocha apercebe-se que ele não a destruiu, pelo contrário: o mar entrou pela rocha adentro, limpou-a, poliu-a, despiu-a das velhas camadas exteriores cobertas de musgo e lodo, revelando uma nova "pele", mais pura, cada vez mais próxima do seu centro.
Naquele curto espaço de tempo, a sua paisagem mudou acentuadamente. Seriam precisos muitos anos até chegar a esta rocha renovada se o mar a beijasse sempre docemente.
Gosto de pensar que é por isso que se chamam marés "vivas" - porque é quando as águas se agitam que as mudanças profundas ocorrem.
O mar é feito de marés, de tempestades e acalmias que vêm quando vêm e duram o tempo que duram, não há nada a fazer... melhor será aceitá-las, respeitá-las, e recebê-las, tal como a rocha, deixando-as fazer a sua parte e observando as alterações na paisagem.
E agradecer-lhes - sempre.




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